terça-feira, 13 de agosto de 2013

Sistema Ultrapassado de Saúde

http://youtu.be/TsQDBSfgE6k

A sigla SUS colou. O conceito não. Contradiz o que pretende passar para os usuários. Saúde não é ausência de doênça. É o bem-estar físico, mental e social do indivíduo. Supõe sociedade justa, igualitária, segura, educada, produtiva de bens necessários e não de males supérfulos. Não se promove saúde tratando enfermos. Cura é ação válida. Reduz sofrimento, atenua sequelas. Porém, não atinge o cerne da questão. As doenças não desaparecem.
Propagam-se mercê de um modelo que prioriza terapêutica, não profilaxia. Tratamento cura paciente, mas não impede a difusão da moléstia. Alivia sintomas, não erradica fontes do mal. Não protege o cidadão dos riscos potencialmente leivos às estruturas e funções do organismo humano.

As evidências são fartas. Nos Estados Unidos, o impacto de investimentos orçamentários do setor saúde, medido pela redução da mortalidade, mostra o seguinte: 90% dos recursos são aplicados para manter e ampliar a rede de serviços destinados ao diagnóstico e tratamento de doenças, resultando na redução de apenas 11% da mortalidade; 1,5% investidos em mudança de estilo de vida levam à queda de 43% da mortalidade; 1,6% destinados a qualificar o meio ambiente diminuem 19% da mortalidade; e 7.9% despendidos em biologia de saúde fazem baixar 27% do referido indicador. Em síntese, tratar doentes consome quase todo orçamento de saúde daquele país. O retorno é insignificante quando comparado ao produto de investimentos mínimos em outra políticas sanitárias.

No Brasil, não é diferente. O SUS utiliza a maioria do orçamento nos cuidados enfermos. A rede física aumenta. Despesas com recursos materiais, equipamentos e insumos diversos exorbitam. Morbidades grassam. Quantidade e qualidade de serviço no país, descreveu, em linguagem objetiva, a imagem diagnóstica que saltava aos olhos: “O Brasil é um imenso hospital”. Não se tratava de força de expressão. Traduzia a realidade reinante em todo o território ncional. Quase um século depois, a frase continua aplicável em gênero, número e grau à paisagem sanitária que empobrece a sociedade brasileira. As doenças avançam livremente. Só mudaram de perfil, mas aquele imenso hospital tornou-se ainda maior. A população segue distante do direito ao completo bem-estar físico mental e social. Tornou-se multidão de enfermos em desesperada busca pelos serviços médico-hospitalares que praticamente regem um sistema que ainda não é saúde.

As políticas públicas de caráter preventivo não têm prioridade. São insignificantes face ao tempo perdido para aplicá-las e ao montante orçamentário desperdiçado em gastos curativos que extrapolam os requerimentos epidemiologicamente justificáveis.

Provas científicas atestam, de há muito, a viabilidade e a relevância de providências capazes de erradicar boa parte das doenças. No campo das enfermidades infecciosas, os exemplos são sobejos. Varíola e poliomelite acometiam elevados percentuais de indivíduos no século passado. Eram afecções virais que matavam ou deixavam sequelas. Requeriam diagnóstico e tratamentos que consumiam vultuosas somas de recursos para produzirem medíocres impáctos na reversão dos danosos efeitos sobre a vida das pessoas. De fato, não havia cura possível, apenas sobrevivência com os estragos causados pelos vírus que se multiplicavam e circulavam na mais plena desenvoltura.

Estava claro que a medicina curativa pouco poderia fazer para proteger a população daqueles males. Somente o controle de suas causas traria mudanças significativas para a sociedade. Surgiram as vacinas. Aplicadas sistematicamente, reverteram o panorama cruel das duas viroses. A varíola desapareceu do planeta. A poliomelite caminha na mesma direção, já tendo sido erradicada de vários países, inclusive do Brasil. O custo da prevenção é infinitamente menor que o da terapêutica. E os resultado, imcomparávelmente melhores.
Não se pode negar que a maioria das enfermidades tem origem no modelo econômico dominante. Hábitos e condições de vida incompatíveis com o bem-estar do ser humano constituem caldo de cultura que alimenta os agentes causais responsáveis pelo adoecimento dos cidadãos. Não apenas os agentes infecciosos, também os de outra natureza.

Na sociedade atual, a principal causa das morbidades que acometem as pessoas é o estresse crônico gerado pela ansiedade do consumismo e da competitividade sem limite, plantadas cauculadamente em todos os seguimentos populacionais. A ação corrosiva que exerce sobre as estruturas humanas é conhecida. As enfermidades geradas são inúmeras. Sobrecarregam o SUS com demandas terapêuticas cada vez mais pesadas e caras. Sua etiologia está bem identificada. Não há tratamento eficaz para as consequências nosológicas que acarretam. Os efeitos favoráveis da prevenção são bem comprovados, embora ignorados por contrariarem a primazia dos interesses econômicos dominantes.

A solução defendida pelos governos tem sido a de um sistema de saúde de fachada, dedicado a cuidar de indivíduos doentes ao invés de evitar que fiquem doentes. O modelo econômico continua, assim, comandando o espetáculo. As consequências nefastas que desencadeia são tratadas, não prevenidas, porque profilaxia supõe mudança de modelo. Tal percepção não é novidade.

Vale lembrar, a propósito, a reflexão marcante do professor de fisiologia da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, Mauritano Rodrigues Ferreira, feita quando pronunciou discurso de paraninfo na solenidade de formatura da turma de 1966. Dirigiu-se aos formandos, entre os quais o autor deste artigo, com ênfase especial: “Tomem todo o cuidado para não se deixarem transformar em médicos encarregados de tratar das doenças produzidas pelo regime em vigor”.

Sábias palavras, forte apelo à consiência profissional dotada de sólido potencial transformador. Não por acaso, tudo se fez no país para que os médicos deixassem de ser profissionais liberais. Perderam autonomia. Foram convertidos em empregados do Estado ou das empresas de Saúde Suplementar, condenados a prestar serviços segundo normas e condutas que emanam de um regime econômico tão atrasado quanto reacionário.

O “pibinho” que tanto assusta os governantes da pátria amada e idolatrada tem tudo a ver com o tipo de sistema de saúde implantado. É revelador do retardo nacional e não somente de crises internacionais. Se a maioria da população fosse de pessoas saudáveis, não doentes, o PIB do país seria outro. Manter a saúde no atraso é estratégia economicamente perversa.

Contraria frontalmente o conhecimento científico produzido há quase cinquenta anos pelo sueco Gunnar Myrdal, ganhador do Prêmio Nobel de Economia. Com base nas realidades estudadas, o brilhante pesquisador sintetizou sua consistente teoria da causação circular do processo acumulativo social: “Os povos são pobres e doentes porque produzem pouco, e produzem pouco porque são pobres e doentes para produzirem mais”. Esse terrível círculo vicioso somente será quebrado mediante a promoção qualificada do bem-estar físico, mental e social do indivíduo. Não há outra saída.

Persistir na expansão das ações curativas como prioridade, a despeito de tanta evidência em contrário, só é coerente com a lógica da economia capitalista. Reforça a dinâmica do consumismo supérfluo. Eleva o uso indevido de medicamentos, tecnologias diagnósticas e terapêuticas deslumbrantes, prática que atrai investimentos, aumenta produção industrial, gera emprego, amplia o comércio, aumenta a arrecadação de impostos. A economia robustece.
A indústria agradece. A sociedade adoece. Quanto mais doença, mais lucro e benefício financeiro.

Para incorporar princípios éticos à condução das políticas públicas, urge mudar o sistema de saúde. Imediatatismos nada resolvem. Mediatismos, muito menos. Dizer, por exemplo, que há falta de médicos no país é falar sem pensar. Na verdade, há excesso de doentes. O que falta é população sadia. A solução digna não é, pois, promover o
boom de cursos médicos desqualificados para criar exército de reserva de tão complexa mão de obra. Cumpre inverter o rumo das políticas do setor, investir na prevenção para erradicar causas das enfermidades que acomentem os cidadãos com maior frequência. O único caminho é promover saúde no verdadeiro sentido, identificado com o bem-estar da cidadania.

Ministério e secretarias ditos da saúde precisam sê-lo de fato. Não passam de Ministério e secretarias da doença. Recorrem a campanhas publicitárias ilusórias e eleitoreiras para fazerem crer que o sistema público vai muito bem. Mantêm olhar de descaso para conhecimentos científicos da epigenética cujos conteúdos exaltam a primazia dos cuidados preventivos sobre os curativos. Entendem que atenção primária é coisa simples e barata. Pode ser prestada por qualquer profissional, independentemente de sua formação. Ledo engano. O modelo chinês do médico pé-descalso já era. Cuidado primário é tão comlpexo quanto os dos demais níveis de atenção. Exige visão abrangente e profunda da medicina, sem a qual se perde a oportunidade de dotá-lo das condutas preventivas e educativas capazes de reverter a atual falta e cultura sanitária.

A maioria das doenças do adulto tem início na infância. Para prevení-las não há alternativa reducionista e simplificadora que se justifique. Quanto mais se respeita e valoriza o cuidado pediátrico qualificado nessa fase da vida, menor a prevalência de males futuros. Quanto mais intervenções educativas em saúde nos meios de comunicação, maior o potencial de bem-estar das pessoas. Quanto menos propagandas enganosas e m
erchandising na mídia, maior a chance e ambiente compatível com os requisitos de vida saudável. O úniverso do SUS vai muito além de UPAS´s, Samus e hospitais. Se não avançar no papel revolucionário que lhe cabe, continuará sendo um Sistema Ultrapassado de Saúde.

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