sexta-feira, 11 de março de 2011

O QUE ESTAMOS FAZENDO

> Trechos do Prólogo do livro "A condição humana" de Hannah Arendt <


..."A humanidade não permanecerá para sempre presa à Terra" foi a frase gravada à mais de 20 anos no "Obelisco Fúnebre" de um dos grandes cientistas da Rússia. Há já algum tempo tais impressões te se tornado lugar-comum. Elas mostram que,em toda parte os homens não tardama acompanhar as descobertas da ciência e o desenvolvimento da técnica, e ajustar-se à eles, mas, ao contrário, estão décadas a sua frente... ...A Terra é a própria quintessência da condição humana, e anatureza terrestre, ao que sabemos, pode er a única no universo capaz de proporcionar aos seres humanos um habitat no qual eles podem mover-se e respirar sem esforço nem artificio. O artifício humano do mundo separa a existencia humana de todo ambiente meramente animal, mas a vida mesma permanece fora desse mundo artificial, e por meio da vida o homem permanece ligado a todos os organismos vivos.

Desde já algum tempo um grande número de investigações cietíficas tem buscado tornar "artificial" também a vida e cortar o último laço a manter até o homem entre os filhos da natureza...

...Esse homem futuro ("artificial"/proveta/clone...), que os cientistas nos dizem que produzirão em menos de um século, parece imbuido por uma rebelião contra a existência humana tal como ela tem sido dada - um dom gratuito vind de lugar nenhum (secularmente falando) que ele deseja trocar, por assim dizer, por algo produzido por ele mesmo. Não há razão para duvidar de que sejamos capaz de realizar tal troca, assim como não há motivo para duvidar da nossa atual capacidade de destruir toda vida orgânica na Terra...

...A questão é apenas se desejamos usar nessa direção nosso novo conhecimento científico e técnico, e essa questão não pode ser deidida por meios científicos; é uma questão poítica de primeira grandeza, cuja decisão, portanto, não pode ser deixada a cientistas profissionais ou a políticos profissionais.

Embora tais possibilidades possam pertencer ainda a um futuo remoto, os primeiros efeitos bumerangue dos grandes triunfos da ciência já se fizeram sentir em uma crise nas próprias ciências naturais. O problema tem haver com o fato de que as "verdades" da moderna visão científica do mundo, embora possam ser demonstradas e fórmulas matemáticas e comprovadas tecnologicamente, já não se prestam à expressão normal no dircurso e no pensamento. Quando se fala conceitual e coerentemente dessas "verdades", as sentenças resultantes são "talvez não tão sem sentido quanto um 'círculo triangular', mas muito mais que um 'leão alado'" (Erwin Schrödinger). Ainda não sabemos se essa situação é definitiva; mas pode suceder que nós, que somos criaturas ligadas à Terra e nos pusemos a agir como se fôssemos habiantes do universo, jamais sejamos capazes de compreender, isto é, de pensar e de falar das coisas que, no entanto, somos capazes de fazer...
...Sempre que a relevância do discurso está em jogo, as questões tornam-se poliíticas por definição, pois é o discurso que faz do homem um ser político...
...E tudo o que os homens fazem, sabem ou experimentam só tem sentido na medida em que se possa falar sobre. Pode haver verdades para além do discurso e que podem ser de grande relevância para o homem no singular, isto é, para o homem na medida em que, seja o que for, não é um ser político. Os homens no plural, isto é, os homens na medida em que vivem, se movem e agem neste mundo, só podem experimentar a significação porque podem falar uns com os outros e se fazer entener aos outros e a si mesmos...
...A era moderna trouxe consigo um glorificação teórica do trabalho, e resultou na transformação factual de toda a sociedade em uma sociedae trabalhadora. Assim a realização do desejo, como sucede nos contos de fadas, chega em um momento em que só pode ser contraproducente. É uma sociedade de trabalhadores a que está para ser liberada dos grilhões do trabalho (pelo advento da automoção), uma sociedade que já não conhece aquelas outras atividades superiores e mais significativas em vista das quais essa liberdade mereceria ser conquistada. Dentro dessa sociedade que é igaitária porque esse é o modo como o trabalho faz os homens viverem juntos, já não restam classes nem aristocracia de natureza política ou espiritual a partir da qual pudesse ser iniciada novamente a restauração das outras capacidades do homem. Até presidentes, reis e primeiros-ministros concebem seus cargos como emprego necessário à vida da sociedade, e, entre os intelectuais, restam somente indivúduos solitários que consideram o que fazem como uma obra, e não como um meio de ganhar o próprio sustento. O que se nos depara, portanto, é a perspectiva de uma sociedade de trabalhadores sem trabalho, isto é, sem a única atividade que lhes resta. Certamente nada poderia ser pior...
...o propósito final da análise histórica é o de rastrear até sua origem a moderna alienação do mundo, em sua dupla fuga da Terra para o universo e do mundo para si mesmo [self], a fim de chegar a uma compreensão da natureza da sociedade, como esta se desenvolvera e se apresentava no instante em que foi suplantada pelo advento de uma era nova e ainda desconhecida.

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